terça-feira, 24 de setembro de 2013

Dalton Trevisan


O Vestido Vermelho


Amor,
Comprei um vestido novo. (Nada como quem trabalha!)
O tecido é tão fino, parece que estou sem roupa. O mesmo vermelho que, segundo você, realça o brancor da pele e o loiro do cabelo. Ombros nus até a saboneteira, com o decote no limiar do abismo – além do qual você não aprova.
E onde está você para apreciá-lo, com teus mil beijinhos no pescoço? Eu aqui linda, só para te agradar. (Calcinha rósea rendada e sutiã meia taça, o que por ora não precisa saber.)
E você, nada? Já não me quer?
Não te emocionam as coxas mais frescas e lisas que o vestido? Já não te apetece sopesar na concha da mão o seio de biquinho ereto assim a ponta fina de uma caneta Bic? Nem te comove a lua bochechuda da minha bundinha empinada? Nada te diz a concha nacarada de quatro pétalas?
Covarde! Ingrato! Soberbo! Não sabe o que está perdendo.
Só me ver neste vestidinho faria você açular a fogosa matilha dos teus vícios mais perversos. E desmaiaria entre ais ao simples roçar do precioso tecido.
Já serpenteio o strip da Virgem Prometida ao Minotauro - e tudo mostro sem nada tirar. Requebrando no salto agulha, assim gostosa, frente e atrás, se você pedisse.
Mas não pede. Me esqueceu para sempre? Pra você já não existo?
Ai, tua mão trêmula em cada curva, já pensou? Um sobe e desce de avanços e recuos. O terceiro quirodáctilo que negaceia...e a delícia única de ouvir: Ai, putinha, de você eu quero tudo! Você deixa, meu amor? Só pra mim, você deixa? Tudo?
Daí me ponha de joelho e descerro o teu zíper com mais devoção que uma samaritana descalça. Isso mesmo: sou uma putinha pra você se servir. Em adoração, eu beijo dardejo lambo. E a-bo-ca-nho com toda a gentileza.
É o meu quindim de Tia Ló! E lambisco e mordisco tamanha doçura que já me arrepia lancinante o céu da boca.
A cabecinha entre os lábios, ao ritmo frenético da língua enlouquecida. Afinal todo o ferrão de fogo e mel, uai, a tua cimitarra do profeta inteirinha na boca - e pode não querer?
Chupo, amor, na frente do espelho, se pedir. Levanto um canto do vestido para você ver as nalgas rosáceas, ou baixo o decote para vislumbrar as duas tetinhas, também elas de joelho, suplicantes por uma carícia furtiva. Ou ainda nua e descabelada, prontinha às tuas ordens, no falo felação faço.
Será que o meu senhor já não gosta?
Nem sequer a xotinha mais te excita? Monto lépida o ginete empinado, a tua cabritinha selvagem dos montes. Toda me contorço e revoluteio dando e roubando beijo e palavrão amoroso.
Nunca mais, seu puto, me fará gozar?
Ordene, que eu obedeço. Ficar de pé no armário, portas e pernas abertas? Ou rendida me ajeitar de quatro? Me ofereço sem reserva às tuas massagens erógenas do eunuco na odalisca preferida do Sultão - e você, indiferente, nem pisca?
Quero sentir os teus beijos pelo corpo me ungindo com o mais afrodisíaco dos óleos. Quero mordida doida na bundinha em flor. Do macho a gente espera fatal! o beijinho molhado e o tabefe ardido de mão aberta.
Mas onde está você, cego e surdo, que não responde?
Sem vontade de sodomizar esta cadelinha que te ama e tanto deseja? Eis-me aqui, à mercê dos teus caprichos e delírios.
E cadê você? Nem um pio.
Me lembrei que gostoso era você me abraçar pelas costas. O corpo bem juntinho ao meu. E, abrindo passagem na longa cabeleira, o beijinho na nuca. A pressa nenhuma. A mão no seio no seio no seio. De olho fechado para sentir melhor o amasso do corpo, o beijo na nuca.
E o beijo na boca. Choradinho. O toque da língua. A língua na língua, saboreando. A língua no dente. O dente no lábio. O gosto de sangue no beijo.
E lembro que você apreciava deslizar a mão viageira coluna abaixo. Uai, na bundinha. E ali ficar acima abaixo. Por cima da roupa, por baixo da roupa. Sobre a calcinha, debaixo dela. Ai, nem quero pensar. Era suor palpitação calafrio vertigem.
Às vezes guardava amoroso a dura duridana entre as bochechas: o seu santuário, a sua bainha sob medida. Um fogaréu de prazer. Todinha em chamas. Olha aqui - na branca pele a cicatriz perene do teu ferro em brasa.
E a flor selada se abrindo entre as coxas. Mar Vermelho, onde o cajado do meu puto Moisés?
Ah, como eu me lembro. E você, a memória perdida, sequer uma recordação?
Me faz cadela, seu viado, pelo amor de Deus!
Essa litania profana da vítima e cúmplice de tuas perversões - deixa de ser pidonha, menina! - não te alvoroça o apetite? Negue, se pode, que também me quer e bem se delicia? Quem não sabe que o meu amor é tarado por uma violação? Que só pensa em enfiar, meter, arrombar o meu corpo e currar a minha alminha.
Já rejeita o prêmio por tantos perseguido e por um só alcançado? E eu, aqui aos uivos, canina, o que fiz para não merecer o teu exército com bandeiras rompendo as minhas últimas defesas?
Venha, ó meu puto. Faça mais. Sim, faça tudo! Tudinho!
Morra de orgasmo múltiplo nos meus braços.
Diga que não é a suprema graça gozar no cuzinho. Todos os suspiros e gemidos e delírios. O coração aos gritos no meu cravo violáceo despetalado.
Tem coragem de afirmar que nessa hora já não levita entre os lençóis, sai rasante pela janela, flutua sobre os telhados da Praça Tiradentes?
Feliz de mimzinha, engatada, lá vou eu - e lá vamos nós, xifópagos do amor, pisando as nuvens distraídos.
Nunca mais abraço cafuné mordida tapa amasso agarro beijo nó górdio de língua?
Deixa de ser bobo, homem!
Ao menos fala se gostou do vestido. (Sob ele, me quer de meia preta e liga roxa? Pronto! já me antecipei ao seu desejo.)
Dá um beijo na boca, poxa!
Não está vendo este seio, esta coxa, este requebro de bunda?
E uma bundinha de moça, o que é? Você me diz: A mais perfeita curva da esfera celeste!
Feita pra pegar. Pra passar a mão boba - ó delícia! ó suplício! Pra tatuar com a tua sarça ardente!
Já não sou eu, euzinha, o bastante para a tua fome?
E esta rosa de febre com a boquinha úmida que geme e grita o teu nome - você já não escuta?
Que fim levou a tua paixão de amor louco? Em que velho sapato se esconde a aranha-marrom do teu desejo?
Onde as chamas dessa luxúria que tudo incendiava à sua passagem? Que água apagou esse fogo? Que boi bebeu essa água? Que passarão colosso arrebatou esse boi?
Despida dos meus sete véus, rastejando, te ofereço na bandeja de Salomé o coração apunhalado da minha pombinha e a cabeça falante do meu amor.
Já não me quer, você? Tudo bem.
Basta que eu te olhe. Nem chego perto. Do outro lado da cama.
No deslumbrante vestidinho novo. Comprei com o meu dinheiro contado. Só pra ficar linda aos teus olhos.
E sem você, ó puto dos meus pecados - coberta de púrpura ou nua em pêlo -, pra que ser linda?
Maldito vestido vermelho.

quinta-feira, 12 de setembro de 2013

Vice-versa (Mario Benedetti)

Tenho medo de ver-te
necessidade de ver-te
esperança de ver-te
insipidezes de ver-te
tenho ganas de encontrar-te
preocupação de encontrar-te
certeza de encontrar-te
pobres dúvidas de encontrar-te
tenho urgência de ouvir-te
alegria de ouvir-te
boa sorte de ouvir-te
e temores de ouvir-te
ou seja
resumindo
estou danado
e radiante
talvez mais o primeiro
que o segundo
e também
vice-versa.
(Tradução de Maria Teresa Almeida Pina)

terça-feira, 10 de setembro de 2013

Cristóvão Tezza- O filho eterno

Embora tenha nascido em Lages, Cristóvão Tezza mudou-se para Curitiba, no Paraná, com oito anos de idade. Esta cidade é cenário de boa parte de sua literatura, em que personagens visitam ruas e pontos turísticos.
Em sua juventude, Tezza fez teatro, foi da marinha mercante, trabalhador ilegal na Europa e ainda relojoeiro. Tinha enorme paixão por esta profissão, mas percebeu que os consertos de relógio não sustentariam suas ambições literárias. Já era escritor bem jovem: aos treze anos criou seu primeiro livro, designado por ele mesmo como “muito ruim”.
Já publicou dez romances. Uma das marcas de seu texto é a presença de mais de um narrador: em "Trapo", por exemplo, vemos a história do ponto de vista do professor Manoel, que estuda o poeta Trapo, e paralelamente do ponto de vista do poeta, através de seus poemas. Em 2003, Tezza publicou um ensaio sobre Mikhail Bakhtin, originalmente sua tese de doutorado.
Doutor em Literatura Brasileira, Tezza é professor de Linguística na Universidade Federal do Paraná. Em algumas declarações ele afirma que “só uns quatro ou cinco escritores brasileiros poderiam viver só dos livros” e, por esse motivo, é professor. Ganhou o prêmio da Academia Brasileira de Letras de melhor romance brasileiro de 2004, pelo seu livro “O fotógrafo”. Foi considerado pela revista Época um dos 100 brasileiros mais influentes do ano de 20091 .
É também colunista quinzenal da Folha de S. Paulo e cronista da Gazeta do Povo, de Curitiba.

Fonte: Wikipedia

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